26 de julho de 2006

Harlem Nocturne

Semana passada, fim de tarde, lá fomos ao Central Park participar em mais uma tradição novaiorquina: os concertos da Filarmónica no Parque. Mais um festival de Verão a la NYC, tudo com o lençol na relva do Great Lawn, alguns com banquetes de vinho, nozes e queijo, tudo a relaxar e à espera da música, que não se via (dada a dimensão do espaço). Ouvem-se as primeiras notas, e começa a chover, ao mesmo tempo. Alguns levantam-se, mas a coisa dura pouco e o concerto vai até ao fim sem mais incidentes. As reacções durante são duas: o pessoal ou está aterrado no chão (especialmente depois de uma broca ou duas) ou então em pé a cantar e dançar a 5ª do Beethoven. No fim, fogos de artifício, e dois minutos depois o dilúvio universal. Era como nadar numa piscina, tamanha era a quantidade de água que nos caía em cima. A populaça evacuou, tudo em ordem, pelos carreiros normais, o que levou uma enormidade de tempo. O efeito manada impedia-os de ver que se fossem pela relva, chegavam lá antes, e nós atrás à espera. Enfim, lá apanhámos o primeiro metro que apareceu, a escorrer água, e assim saímos no meio do Harlem, já noite, no meio da 125.

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Caminhámos a pé até casa, ou seja até ao extremo Oeste, o "Harlem gentrificado". Já não chovia tanto; os jovens negros sentavam-se nas escadas dos prédios, que podiam perfeitamente pertencer à super-trendy Greenwich Village, com árvores e tudo. Alguns carros cheios de cromados, um muito antigo, paravam nos semáforos. Uma antiga fábrica, em tijolo, para lá estava com as janelas tapadas, e pouca gente nas ruas. Uma dama atirava a embalagem de batatas fritas para o meio do chão, ao lado do caixote do lixo. A chuva caía iluminada pelos candeeiros de rua, e de vez em quando ouvia-se uma música a bombar de um jipe qualquer que passava de vidros abertos. IN MY HOOD, PUM-PUM-PUM NIGGAS GOT LOVE FOR ME, ETC E TAL PUM-PUM-PUM PUM PUM. Mas desaparece logo, e fica a noite com as fachadas que em tempos foram bastante mais bem tratadas, em tijolo e ornamentos de terracota. Ao longe os projects, bairros sociais a imitar qualquer torre corbusiana, também de tijolo, onde nascem as estrelas de rap e basquetebol e que como de costume rebentaram com a malha urbana densa que era própria daqui.
Apesar das lojas de fritos e das torres-ghetto, ainda existe alguma coisa de autêntico aqui nas velhas casas degradadas que um dia irão ser recuperadas, e nessa noite gostei mesmo do Harlem.

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